Antes da maternidade, meus pés devoraram o mundo. Caminhavam com pressa, carregando um corpo que parecia inteiro, autônomo, suficiente em si. Esse gesto ecoa as camadas invisíveis do meu maternar: a nutrição que transborda o corpo e se inscreve no espírito, a inversão de papéis entre quem cuida e quem é cuidada, a dissolução da linearidade do tempo. Se, por vezes, meus pensamentos sussurraram que precisava cavar fundo para resgatar quem um dia fui, Malu, com sua sapiência, dissolvia essa busca nostálgica. Ao nutrir meus pés – e minha alma –, minha filha me mostrava que não havia lacunas a preencher, nem identidade a recuperar. Sou, ao mesmo tempo, origem e continuidade, registro e reinvenção. Não preciso reinventar o significado da matrioska. Não há que se resgatar quem se é porque, a todo momento, eu sou o resultado do que também já fui.

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